Lição #2: Os Elementos Secretos das Músicas Que Fazem as Pistas Ferverem
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Salve salve produtor,
Depois que eu retornei do festival que eu citei na Lição #1 e quase fui pra delegacia (rs), eu decidi que iria me dedicar a estudar sobre as características das músicas que fazem a galera pirar na pista!
Eu estava decidido a desvendar esse "código secreto". Na verdade, eu já sabia produzir, já sabia mixar, minhas músicas já estavam legais. Mas parecia que algo estava faltando.
Eu sempre investi muito em cursos e materiais de estudo sobre produção musical, mas nenhum deles até então havia sequer mencionado o que eu estava procurando.
Em resumo, eu só queria descobrir uma coisa:
Por que algumas músicas INCENDEIAM as pistas e outras não?
- Seria a qualidade técnica?
- Mixagem?
- Sound-design?
- BPM?
Confesso que esse último item (BPM) me deixou balançado. Eu cheguei a pensar: meu BPM está muito baixo. É isso...
Várias pessoas me falaram a mesma coisa! "Sua música é boa, mas o BPM é baixo...".
Mas, me lembrei de uma vez que eu estava no Universo Paralelo e vi o Grouch, da Zenon Records INCENDIANDO a pista com seus 128 BPM.
Eu estava ali naquela pista e me lembro bem... foi SURREAL!
Saudade apertou meu coração agora...
Enfim... me dei conta que NÃO é o BPM que faz uma música funcionar ou não!
Foi então que eu comecei a ler livros de songwriting e entrar numa verdadeira imersão sobre esse assunto, que acabou se tornando uma grande paixão pra mim.
A cada livro que eu lia, uma nova descoberta sobre a psicologia humana, sobre como as músicas afetam as pessoas e como podemos desenvolver o poder de, literalmente, manipular a pista e despertar sentimentos e emoções.
Isso deixou a minha mente fervilhando!
Depois dessa imersão em busca do "código secreto" das músicas que levam as pistas à loucura, eu finalmente me sentia preparado a começar uma nova fase em meu projeto Sakyamuni!
O Segredo das Músicas que Incendeiam as Pistas
Nessa série de lições, eu quero que uma coisa fique bem clara em sua mente. Por favor, preste muita atenção nisso:
Mixagem importa, sound-design importa, timbres importam, bpm importa... mas o que MAIS importa para uma música funcionar na pista é a HISTÓRIA!
Independente de BPM, timbres, samples, mixagem, você precisa aprender a CRIAR HISTÓRIAS com suas músicas...
Pense na sua música como um filme com vários capítulos.
A sua história tem os seus próprios personagens. Alguns são protagonistas, outros coadjuvantes. E é você que define quem é quem.
Nas MINHAS músicas, os protagonistas são:
- Kick
- Bass
- HOOK/Melodia
- Bateria
E temos os coadjuvantes, tais como:
- Fx
- Pads
- Ambiências
- Vocais
- Alguns synths...
O grande segredo é orquestrar esses elementos de modo que eles entrem e saiam de cena nos momentos certos.
Vou repetir: ORQUESTRAR os elementos de modo que eles ENTREM e SAIAM de cena nos momentos certos.
Guarde muito bem isso!
Em alguns momentos, você vai ter vários deles aparecendo ao mesmo tempo, como em um verdadeiro confronto final num filme da Marvel.
Em outros momentos, você vai ter somente alguns deles aparecendo.
Sendo assim, você deve dividir a sua música em capítulos.
O primeiro capítulo é a introdução. A função da introdução é simplesmente apresentar ao público os personagens da sua história. O público precisa se familiarizar com eles.
Um filme não começa com todos os personagens sendo apresentados na primeira cena, não é mesmo? E o clímax do filme também não ocorre logo no início. Caso contrário, as pessoas não continuariam assistindo até o final.
Na sua música, o mesmo acontece!
Os seus personagens devem surgir ao longo do tempo. A cada novo personagem que entra, aumenta-se o nível de energia.
Esse balé sônico de aumento e diminuição de energia é o grande segredo dos filmes, séries e das músicas que mantém o público conectado!
Quando esse conceito ficou claro em minha mente, as minhas músicas deram um salto em performance...
Fui convidado para lançar duas músicas pela Zenon Records, a maior label de prog-dark do mundo. Uma está em segredo, pois o lançamento será somente em Março de 2019. A outra foi lançada no V.A Alter Breed.
É claro que a Zenon é muito criteriosa em relação aos timbres e à mixagem. Mas, eu já vi MUITA gente com qualidade TOP ser reprovada... E, de alguma forma, as minhas foram aprovadas logo de cara, sem nenhuma exigência. Pelo contrário, recebi elogios consideráveis do dono da label, o Tim Sensient:
"E aí parceiro, prazer em te conhecer. Sim mano, honestamente, essa track é uma das mais inovadoras que eu ouvi recentemente. É 100% certeza que eu quero ela na Zenon. Só preciso encontrar o lançamento certo pra ela..."
Eu não preciso dizer como ficou meu coração depois de receber essa mensagem do grande mestre Sensient, dono da Label que foi a grande inspiração da minha vida na produção!
Agora, tente observar como a HISTÓRIA é criada ao longo da música:
Na introdução, a ideia geral (contexto) da música é apresentada. A temática sobre índios Yanomami se faz clara. Entra o kick e bass... Você começa a conhecer e se familiarizar com alguns elementos.
O tempo vai passando e novos elementos vão sendo adicionados à trama.
A tensão sobe e desce!
Perceba que tem um pedaço de melodia com umas 3 notas que aparece em vários momentos no início.
Essa melodia aparece de verdade em 3:54. Mas, antes disso, eu coloquei vários trechinhos dela para acostumar o ouvido da pessoa que está na pista.
É importante para o expectador entender o que está acontecendo.
A música não pode ser somente imprevisibilidade.
O Simples que Funciona!
Um dos fatores mais importantes das boas histórias é a SIMPLICIDADE. Durante muito tempo eu negligenciei este fator.
O fato é que quando você começa a produzir, você estuda muito, muito, muito...
E quando você estuda muito, as coisas mais complexas se tornam mais interessantes pra você. E cada vez mais, você busca complexidade e se encanta por ela.
Mas isso pode ser uma falácia!
Primeiro, porque se você produz algo muito complexo, o público não é capaz de digerir. E se o público não digere a sua música, você não tem pra quem tocar!
Segundo, porque nem sempre o complexo é sinônimo de bom. Na minha opinião, inclusive, é justamente o contrário. O mais difícil é criar algo simples que seja bom.
Um grande exemplo disso é a música Losing It do Fisher. Essa música BOMBOU em 2018. Ela é extremamente simples. Tão simples, que às vezes, eu me sinto um idiota por não te-la produzido. Eu poderia ter produzido uma música dessas em 1 dia. E estaria rico... rs.
Mas, eu não estaria escrevendo essa lição porque provavelmente estaria tocando em Ibiza... Mas tudo bem! Continuo feliz assim, no underground!
Essa música é SIMPLES, com poucos elementos, e mesmo assim ela constroi uma história. Ela tem poucos elementos mas ela não é monótona. E como toda boa história, ela tem um CLIMAX.
O que quero que você preste atenção nessa música é algo que ocorre em 4:51.
O que acontece em 4:51 é o CLIMAX.
Muitas músicas não tem um clímax. É como se a história não fosse resolvida.
Imagine uma história assim:
"Um menino acordou, tomou café da manhã, foi à escola, voltou e almoçou com a família."
Sem graça né?
Mas muita gente constroi música assim. Não tem drama, não tem conflito...
Essa mesma história poderia ser reescrita mais ou menos assim:
"Era mais um dia de inverno e, após desligar o despertador do celular por 3 vezes, ele saiu da cama e foi se arrastando para a mesa do café. Todos já haviam comido e ele pegou uma xícara de leite com chocolate, ficou mexendo por 2 minutos e tomou apenas um gole. Algo muito estranho estava acontecendo e estava simplesmente impossível esconder aquilo da família. Ele estava angustiado. Seu estômago embrulhava. Um frio na barriga o incomodava a cada poucos minutos. Chegando na escola, sentou-se no fundo da sala e ficou calado, esperando pelo pior. A primeira aula terminou e a tensão só aumentava e cada minuto. Seu coração acelerava só de pensar que a hora do recreio estava chegando. Faltando alguns minutos para dar o sinal, ele ficava ensaiando mentalmente o que iria dizer. Até que chegou o grande momento. A tensão era alta, seu coração estava acelerado. Sua voz trêmola quase não conseguia dizer nada. Ele pensou que não fosse conseguir. Naquele momento, um filme passou pela sua cabeça. E se desse tudo errado? A dor do fracasso seria maior do que qualquer outra. Enfim, ele criou coragem. Era agora ou nunca. Suas mãos suavam. Ele respirou fundo, engoliu seco e perguntou se ela tinha companhia para ir ao baile. Ela, com sorriso tímido, disse que não e olhou pra baixo. Ele ficou sem chão. Não sabia o que dizer, mas, criou coragem e mesmo gaguejando, fez o convite! Cheque-mate. Ela aceitou! Ele voltou pra casa feliz da vida. Sentou na mesa e sua família estava almoçando. Ele contou a notícia e todos, orgulhosos, abriram um grande sorriso".
Tudo bem, tudo bem. Eu viajei bastante agora...
Mas, percebe como a mesma história foi contada de 2 formas bem diferentes?
Na segunda, houve drama, expectativa, curiosidade. Aposto que você ficou tentando descobrir o DESFECHO.
O desfecho foi que ele conseguiu sair com a gatinha da sala!
É isso que ocorre na música do Fisher em 4:51. São os MESMOS personagens, mas com mais energia!

Como Hipnotizar a Pista!
Na historinha ridícula que eu inventei acima (me perdoem, eu costumava ser bom em redação...), eu criei uma certa tensão. Eu imagino (e espero) que você tenha ficado curioso para saber o que ia acontecer com o menino, qual era o drama que ele estava vivendo. Depois eu dei a resolução. Ele tava querendo convidar uma garota pra sair. Esse era o drama. E o drama foi resolvido. Ela aceitou.
É claro que eu poderia ter criado mais drama, mais tensão, mas foi só um exemplo bobo.
Mas, o que eu quero que fique claro pra você é que o nosso cérebro é sedento por RESOLUÇÃO.
Eu não vou entrar muito em detalhes aqui, mas o seu cérebro é formado por 3 partes:
Cérebro reptiliano
Sistema límbico
Neocortex
O cérebro reptiliano tem esse apelido porque é o mesmo cérebro que tínhamos há milhões de anos. Depois ele foi evoluindo e ganhando novas camadas. Mas existem algumas coisas que ele comanda, por exemplo, o instinto de sobrevivência.
Uma das prioridades do cérebro reptiliano é entender uma situação por completo. Entender onde você está, o que está acontecendo... É por isso que ele procura por resolução o tempo todo!
Se uma antecipação ou expectativa é gerada, ele vai ficar atento até que a resolução aconteça.
Eu sei que isso não é uma aula de biologia, mas a sua música precisa conter esses 2 elementos para manter o seu público conectado:
- Antecipação
- Gratificação
Primeiro, você cria uma tensão, expectativa. Depois, você entrega a resolução/desfecho.
Isso ocorre em um nível MACRO e MICRO.
Por exemplo, em uma frase de 32 kicks (8 compassos), você vai criar uma tensão que aumenta até o final da frase. Na frase seguinte, você deve iniciar com uma gratificação/release/liberação.
Traduzindo de forma mais técnica, imagine que você tem um uplifter na frase de 32 que vai até do final (TENSÃO/ ANTECIPAÇÃO/ EXPECTATIVA). Na próxima frase, você inicia com um crash (RELEASE/GRATIFICAÇÃO).
Estamos falando de uma relação de antecipação X gratificação em um nível MICRO.
Num nível macro também ocorre. Por exemplo, num break, a tensão é baixa. Na build up ela aumenta de forma considerável e isso mantém o público conectado, atento, porque o cérebro reptiliano de cada um está implorando pela resolução.
Então, vem a gratificação: O DROP! Ufa... agora pode-se respirar! A tensão diminui e as pessoas dançam!
Essa relação precisa ter um equilíbrio preciso.
Se você cria tensão demais na build-up, o drop precisa ter energia o suficiente para segurar o desfecho.
Se o drop tem energia demais, comparado à build-up, acaba frustrando um pouco a pista.
Essa relação de antecipação e gratificação deve ser muito bem trabalhada em suas tracks!
O mesmo acontece com quem fuma.
A pessoa acende um cigarro: libera dopamina - gratificação.
A dopamina é absorvida: sistema sem dopamina - tensão.
A pessoa acende um cigarro: libera dopamina - gratificação.
A dopamina é absorvida: sistema sem dopamina - tensão.
Você entendeu a ideia...
O mesmo ocorre com chocolate, com pornografia e qualquer outro vício!
Repare, na imagem abaixo, que muitas vezes o nível de tensão cai quando aumenta o nível de energia. Isso porque aumenta-se a tensão/antecipação, entrega-se a gratificação/drop.

Os 3 Conceitos-Chave Para Criar uma História Irresistível
Ok!
Você já entendeu a importância da história na música e já entendeu a importância dos níveis de energia, antecipação e gratificação para a criação de histórias que prendem a atenção.
Agora, você vai colocar as mãos no Checklist para dosar esses elementos.
Mas antes, disso, só preciso que uma definição fique clara pra você:
Vamos chamar o nível de energia de uma determinada seção de HYPE.
Cada seção da sua música tem um HYPE.
Imagine que o HYPE vá de 0 a 10.
A sua introdução tem um hype 3 e o clímax (drop final) tem um hype 9.
Preciso que você entenda isso muito bem para continuar! Ok?
CONCEITO-CHAVE #1 - A QUANTIDADE DE HYPE EM CADA SEÇÃO
Os elementos responsáveis por aumentar o hype são:
- Arranjo: Quanto mais instrumentos tocando juntos, maior o hype.
- Melodia/Arpejo/linha de synth
- Ritmo: menos notas tocando em um espaço de tempo produzem um hype menor. Exemplo: Hihat offbeat X hihat 1/16.
Sendo assim, você vai, subjetivamente, dosar o hype em cada uma das seções. Se, por exemplo, o seu clímax não está com um hype alto, você pode aumentar a velocidade dos hihats ou inserir uma nova linha de synth.
CONCEITO-CHAVE #2: A DOSAGEM DE TENSÃO
Depois de dosar o Hype, você vai dosar a tensão.
Esse passo é extremamente importante porque a tensão é o que conecta as diferenças no hype. Imagine que os níveis de hype são bruscos, como se fossem grandes degraus.
A tensão faz com que essas transições sejam mais sutis. Perceba na imagem abaixo:
Os principais elementos que geram tensão são:
- Harmonia: Ex. progressão de acordes terminando no V grau.
- Frequências: Ex. hihat lentamente se abrindo ou cutoff do filtro de um synth abrindo com automação.
- Ritmo: aumento do número de notas tocadas
CONCEITO-CHAVE #3: A DISTRIBUIÇÃO
Você irá definir quantos picos de energia a sua música terá, sendo que um deles será o mais alto (clímax).
É importante encontrar um equilíbrio entre repetição e inovação.
Por exemplo, na música do Fisher, podemos notar que os drops são bem parecidos, mas com uma pequena variação que evita o tédio e também evita o outro extremo, a confusão.
Ela é construída no ponto de equilíbrio. A imagem abaixo mostra exatamente isso:
Em outras palavras, se você repete demais, sua música fica entediante. Se, por outro lado, tem muita novidade, fica confuso.
É necessário encontrar o equilíbrio entre esses 2 extremos.
UFA!
Chegamos ao final de mais uma lição...
Espero que nesse momento a sua cabeça esteja fervilhando de novas ideias.
Mas, se você gostou dessa lição, você não tem ideia do que será a próxima. Você não perde por esperar! Simplesmente algo que você nunca viu em cursos ou tutoriais no Youtube...
Agora, me fala o que você achou dessa lição!